Quando o Fuksy acabou em meados de 2000 pra mim era o fim do sonho de ser "artista", parecia que tudo que havíamos construído em cinco anos desabou abruptamente e nos soterrou no asilo do anonimato. Firmes, eu e o Guspy buscávamos um novo projeto, tendo sandrinho e mauricio nesse empreitada. A necessidade de um verdadeiro vocalista era imprescindível, afinal recomeçar um projeto musical é sempre uma tormenta. Os envolvidos tem que vestir a camisa ou tudo desaba novamente.
Em meio a esse cenário nebuloso surge uma figura ímpar, de voz firme, forte, rasgada e afinada; letras doces, românticas, do cotidiano e às vezes subversivas. Conhecia Cris Peichó.
Coincidia naquele momento a gravidez da Folha...o primeiro que contei sobre a gravidez foi o Juliano Domingues...o segundo foi ele...Rapidamente fui apelidado de Papi pelo grandão, que sempre projetava seu futuro em uma criança...numa relação estável com uma mulher amada. Ele não conseguiria esse objetivo, pois estabilidade nunca foi o forte dele...
O XMQ cresceu, tomou contornos de banda grande, impressionou a mídia e os amigos. Shows homéricos eram realizados e as pessoas cantavam as músicas com vigor em frente ao palco. Tinha ali uma banda que apontava novamente a possibilidade de me tornar um "artista". Os elogios brotavam a todo o instantes. Parecia que Cris encontrava a estabilidade em sua via e a criança que ele projetava tornava-se adolescente.
Um dia ele me disse: "tenho o dom de decepcionar as pessoas". Mal sabia que não era um dom e nem era com as pessoas. Era um defeito dele para consigo, que alimentava sua força poética, sua angústia recôndita, seu amor pelo árduo...dali vinham a inspiração e a eloquência que dava a alma ao XMQ.
Quanto namoradas ele teve, quantos empregos passou, quantas músicas jogou no lixo, quantos acidentes de carro se envolveu...rs...rédeas pra que na vida??
Na sua ingenuidade madura era reservado e incerto nos atos de sua vida. A certeza era não ser certo.
Passados anos o XMQ ficou adulto, mas com a saída abrupta do Maurício o projeto de CD ficou obscuro. Entrou o João e o Rafa com novas energias e a obra tornou-se inconclusa. Se pudesse mudar o nome hoje daria o título de "parto". Com todo o tempo longo para compor, pre-produzir (2x), gravar, editar, mixar e, ainda, aguardar o breve ostracismo que só os grandes podem curtir: Cris, ao final das gravações, faltando apenas o vocal de "Fake Industrial" entra em depressão, desacretida em tudo, foge para a casa da vó, briga com a namorada e para de falar com os amigos. Aquilo me gera um rancor momentâneo, revestido de ansiedade para parir essa obra.
Quando parei para observar bem era razão de orgulho ver que dentre nós havia um astro verdadeiro. Nós somos os cuzões, que temos responsabiidades e afazeres. Já o Cris tinha a estrela do artista, que tem o direito de mergulhar em sua própria psique, revolver todos os sentimentos possíveis do ser humano, arrancar os olhos e comê-los...depois retornar ao estúdio para num take gravar a sua obra prima vocal. Fake industrial é uma música que poucos podem cantar...ele buscava o timbre correto para a frase inicial "todo diaa". Ele sabia que precisava de uma semana para carregar suas baterias e voltar com uma explosão vocal singular, única.
Pra quem não sabe todas as outras músicas foram gravadas em um take valendo...impressionou até o experiente Vitor França do Solo!
A "Obra Inconclusa" fica pronta, começamos a tocar, dar entrevistas, buscar shows pelo Brasil..."agora vai" pensava eu, enquanto o plano cartesiano psicológico do Cris revelava-se uma montanha russa, capaz de despencar e ascender na mesma proporção da força de sua voz.
Os shows perdiam força...numa de Elvis ele resolveu pirar, engordar e mostar-se despachado...a voz falhava, a performance era monstruosa...em dado momento chegou a lançar o pedestal de microfone contra o público...queria ser astro do rock...precisava polemizar...precisava de mais, mais e mais...
Em POA, no que seria o primeiro show fora de Curitiba para divulgar o CD (e o último do XMQ com Crius), no Festival Grito ROCK, em que fomos selecionados dentre uma centena de bandas a coisa tornou contornos sinistros. Talvez ele soubesse que o fim estava próximo e fez o pior show de sua vida, bêbado, largado, sem voz, sem consciência...sem palavras...
Chegava ao fim mais um ciclo. De sua letra saíram as palavras duras que tivemos com ele num buteco "EU VIM AQUI PRA LHE DIZER...QUE HOJE TUDO ACABA". Novo desabamento, novo soterramento...era difícil de acreditar...um ano após o lançamento tudo ruiu...sem o Cris não existia mais XMQ.
Triste? Nada...com sarcasmo e de forma pedante largou tudo, sem sequer pedir arrego ou prometer melhoras...ele sabia que o fim é o meio...ele tinha consciência que seu cicloera aquele, aliás, na sua vida talvez o mais longo e profundo, considerando todos os percalços e alegrias que uma relação de banda proporciona.
Aliás, o Cris pra mim espelha o que Nietzsche bem define do ser humano "O Homem é o fim em si mesmo". A diferença do Cris para todos nosotros era que ele não era dissimulado e hipócrita. Não que sejamos todo o tempo, mas somos assim por conveniência. Para ele era tudo ou nado, ódio ou amor, preto ou branco, sim ou não. Essa história de nhé nhé nhé. groselhinha, irritava o cara...com razão...ele se despia dessa obrigação politicamente correta sem problemas...
Dali pra frente ele foi fundo, cada vez mais fundo, do começo até mesmo no fim do mundo....
O Grandão se foi como veio...de inopino...
Nossa homenagem foi boa, mas sucesso quem fez foi ele!!
Abraços a todos
Andre Alves Wlodarczyk
Ouça Fake Industrial
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